
O art. 6º da Lei 9.870/1999 (anuidades escolares) não é jabuticaba!
Ou seja: não existe apenas no Brasil
Todo gestor educacional privado que ingressou ou está no sistema nos últimos 20 anos conhece de perto o art. 6º da Lei n. 9.870/1999 (mais particularmente conhecida como “lei do calote”), que proíbe quaisquer sanções ou penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento.
Na busca de soluções criativas para conter a inadimplência, são obrigados a queimar energias que poderiam ser empregadas de forma mais eficiente na gestão. Nessa longa noite da impunidade, existem situações que evidenciam a verdadeira cultura de conduta tão indesejável e incompatível com os valores de urbanidade e cidadania que se transmitem na sala de aula.
A demanda para encontrar soluções legislativas que atendam, por um lado, aos interesses dos alunos pela continuidade de seus estudos mesmo em situações adversas e, por outro, que garantam a preservação do direito das escolas de receberem os créditos devidos pelo ensino ministrado não encontra ressonância entre os parlamentares.
Apenas para satisfazer a curiosidade, resolvi “dar um Google” na matéria e saber se isso só acontece no Brasil, sendo mais uma de nossas “jabuticabas”, conhecida frutinha que só floresce em terras tupiniquins.
Qual não foi minha surpresa ao descobrir que, no Peru, há uma lei identificada como Ley de Protección a la Economía Familiar Respecto al Pago de Pensiones en Centros y Programas Educativos Privados?
A exemplo do que ocorre conosco, a referida lei também veda a imposição de sanções ou interrupções dos serviços. Lá, a questão foi submetida ao Tribunal Constitucional e, embora a Corte reconheça que há intervenção na liberdade de empresa e liberdade de associação, assim como há afetação da autonomia universitária, e embora possa parecer que há intervenção na liberdade de contratação, tudo isso se justifica quando se está a falar do bem maior, que é a educação, enquanto fator de desenvolvimento humano. Ou seja: a intervenção é justificada e, portanto, possível.
A mesma linha é adotada pelo Tribunal Constitucional da Colômbia e, quiçá, de outras nações desta vasta América Latina. O argumento comum que subjaz a tais decisões é que, quando o juiz se vê obrigado a escolher entre o direito das instituições de ensino de receberem a remuneração livremente contratada como contrapartida ao serviço prestado e o interesse dos educandos em dar continuidade aos seus estudos, concluem, na maioria das vezes, que o aluno não pode ser estigmatizado em função de dívida pendente com a instituição de ensino.
Sem perder de vista que a educação integra o rol dos direitos humanos fundamentais, gozando, por isso mesmo, de proteção de grande número de tratados internacionais, bem como de ampla garantia constitucional, o fato é que não se pode impor à escola privada o dever de cumprir as obrigações estatais sem a garantia de nenhuma contrapartida, até porque o Estado não presta o serviço de forma gratuita, já que cobra impostos e contribuições de toda a sociedade, em valores nada desprezíveis.
Além do mais, a solução adotada aqui e nos países vizinhos, além de se afigurar populista, já que implica “tirar a castanha com a mão do gato”, ou “cumprimentar com o chapéu alheio”, demonstra também a existência de via de mão única: para impedir a cobrança eficaz, afirma-se que as escolas prestam serviços públicos; já para manter as escolas no Simples ou a imunidade das entidades beneficentes, as escolas “são tubarões do ensino” ou “pilantrópicas”, respectivamente.
Assim postas as coisas, é preciso abandonar a postura assistencialista e paternalista e encarar a educação como um patrimônio no qual se deve investir com seriedade, e as instituições de ensino como parceiras do Estado na árdua tarefa de retirar o Brasil e, de resto, grande maioria dos países da América Latina dessa democracia “do faz de conta”. É hora de enfrentar os desafios políticos e legislativos para vencê-los, e não empurrá-los ano após ano para o mandato seguinte, como se a solução viesse por milagre.